As incertezas econômicas dos últimos anos causaram impacto na oferta de crédito. Como está, hoje, a capacidade do consumidor de manter as contas da família em dia?
Roque Pellizzaro Júnior – O impacto das incertezas sobre a oferta de crédito se dá, principalmente, pelo canal do risco. A conjuntura econômica desfavorável e a insegurança em relação ao emprego e à renda do consumidor fizeram crescer a inadimplência. As empresas concedentes de crédito enfrentam maior risco de não pagamento. A oferta de crédito tem sido mais restrita, seja porque o montante emprestado é menor ou porque há mais rigor em relação às condições e garantias.
A conjuntura econômica desfavorável faz com que seja muito ruim a capacidade de pagamento do consumidor. Além de enfrentar a maior taxa de desemprego dos últimos anos e queda na renda real, temos visto inflação acima da meta e taxas de juros elevadas, uma conjuntura que dificulta de forma severa o pagamento das contas. O SPC Brasil estima que, em novembro, 58,5 milhões de brasileiros tenham o nome sujo, quantidade que tem se mantido desde o primeiro trimestre de 2016. Isso significa que quase 40% da população adulta tem dívidas em atraso e nome registrado em cadastro de devedores.

Após as dificuldades enfrentadas pelo comércio em 2016, como está a capacidade do microempreendedor em ofertar crédito?
Roque – O pequeno comerciante também enfrenta a conjuntura desfavorável e o mesmo cenário de risco de inadimplência enfrentado por grandes instituições. Desta forma, a sua capacidade de ofertar crédito também está comprometida. Tal cenário é agravado pelo fato de que os pequenos comerciantes têm menos margem de manobra financeira quando comparados às grandes redes, o que diminui ainda mais a sua oferta de crédito. Sendo assim, o consumidor que se depara com pouca capacidade de pagamento, também enfrenta oferta restrita de crédito, seja por parte de grandes concedentes – como bancos e financeiras -, seja por parte de pequenas e médias empresas de varejo.

Há perspectiva de expansão da oferta de crédito para 2017? Qual a melhor maneira de promover isso?
Roque – A expectativa é de um ambiente levemente mais favorável em relação ao que se tem visto desde o início da recessão em 2014. Mas vale ressaltar que a perspectiva é de uma recuperação tímida. O que se viu ao longo do segundo semestre de 2016 foi uma pequena recuperação na confiança de consumidores e de empresários, além de recuo nos indicadores de inflação, que abriram espaço para o início do ciclo de cortes nas taxas básicas de juros. Estima-se que há uma defasagem de 2 a 3 trimestres até que esses primeiros dados positivos tenham efeitos sobre os indicadores de atividade econômica, como consumo das famílias, emprego e renda. Desta forma, caso a expectativa se confirme, a recuperação da capacidade de pagamento do consumidor deve vir apenas no segundo semestre de 2017. E confirmada esta melhora de conjuntura, o aumento da oferta de crédito deve vir a reboque. Há que se ressaltar, no entanto, que tal cenário ainda é cercado de riscos que podem fazer com que a recuperação da economia brasileira e da oferta de crédito demorem mais a acontecer ou venham de maneira ainda menos intensa. Tais riscos estão relacionados, principalmente, à não aprovação dos ajustes no âmbito fiscal, à instabilidade política e à piora no ambiente internacional.

A economia brasileira se transformou muito nos últimos anos. Como o varejo se posicionou em meio às mudanças e qual é a perspectiva de crescimento? Roque – O consumidor brasileiro de hoje é muito diferente daquele que existiu até 2014, muito mais atento ao endividamento, muito mais preocupado com seu orçamento, com renda menor e com medo de ficar desempregado. O varejo deve se adaptar a este “novo consumidor” alterando seu mix de produtos, repensando sua forma de dar crédito, sendo mais eficiente em seus processos e, por meio disso, reduzir custos operacionais para que fique possível sobreviver com vendas menores, ticket médio menor e margens reduzidas. Muitas empresas já fizeram esta adequação e estão apresentando resultados positivos, apesar do cenário ruim. Mas aquelas que não observaram isto estão com dificuldades e podem vir a encerrar suas atividades.

Quais seriam os caminhos que esse novo governo deve tomar para criar condições melhores para a tomada de crédito pelos consumidores?
Roque – As medidas para melhora do ambiente de crédito estão em grande medida ligadas àquelas que impulsionem a confiança, a recuperação da economia e consequentemente a melhora da capacidade de pagamento e menor risco de inadimplência. A adoção de uma política monetária mais cautelosa, com combate efetivo da elevação de preços e ancoragem das expectativas de inflação próximas à meta foi um primeiro passo importante nesse sentido, o que faz com que a sua continuidade seja de grande importância. Ademais, é necessária a condução atenta da aprovação de ajustes estruturais, principalmente os ligados ao equilíbrio fiscal. Tais medidas fomentariam a melhora da confiança de empresários e de consumidores, melhorando o ambiente de negócios e impulsionando investimentos necessários para um ciclo positivo.